O Alienista: muitos arrepios na espinha

 ★★★★☆
"Uma pérola no oceano que é a Netflix"

Acabei hoje de ver "The Alienist" (em português, *O Alienista), cerca de dois meses depois de ter começado a ver a série. Para que o próximo parágrafo vos faça sentido, tenham em conta que é uma série com uma temporada e apenas dez episódios, com cerca de 50 minutos cada.

Eu tenho um problema com séries - consigo devorar dez episódios de seguida, mas quando me apercebo que falta apenas um ou dois para terminar, começo a acobardar-me. Chamem a isto o que quiserem - eu acho que é uma espécie de melancolia que me ataca. Aquela sensação de "ai, que caraças, estou a gostar muito disto e a seguir acaba, e eu fico sem nada". E acreditem, o meu problema não é ficar sem séries para ver, porque a minha lista de "ver no futuro" na Netflix tem um comprimento de meter medo ao susto. Não, o problema é mesmo que aquela série acaba e depois... depois fica só o vazio, naquele onde estava o entusiasmo e o êxtase de saber o que vai acontecer a seguir.

Eu sei. É coisa de gente doida. Mas, por esta altura, bem que já deviam saber da minha relação pouco saudável com o mundo cinematográfico e afins.

Continuando para o ponto principal: terminei "The Alienist". Esta série, baseada num livro do mesmo nome, segue três personagens principais, no ano de 1896: Laszlo Kreizler, John Moore e Sara Howard. O primeiro é conhecido como um "alienista" - alguém que estuda patologias mentais e comportamentos desviantes. John trabalha como ilustrador para o New York Times e Sara é a primeira mulher a trabalhar para o Departamento da Polícia de Nova Iorque. Juntos, são chamados por Theodore Roosevelt (sim, o mesmo que mais tarde se tornaria Presidente dos Estados Unidos da América) para encontrar o responsável pela morte de várias crianças na cidade.

Durante dez episódios, somos levados pela mente perturbada do assassino - que mata jovens prostitutos - mas também pelos demónios que assombram a mente de Kreizler. Este, que sofreu de abusos físicos do seu pai durante a infância, torna-se num homem sem capacidade para falhar - que, à mínima dificuldade, entra em profunda ansiedade por não conseguir decifrar o que vai na mente dos outros.

Têm de perceber, antes de continuar com esta review, que sou uma orgulhosa Capricórnio. Isso significa que tudo para mim tem um lado lógico, e que deixar-me guiar por emoções, ao invés da racionalidade, me causa profundo tumulto. Portanto, ver representada no ecrã uma personagem que sofre da mesma profunda dor, deixa-me estranhamente desconfortável. É como olhar para um espelho, mas um espelho que fala contigo e aponta aquelas características que não gostas de reconhecer em ti mesmo. Durante toda a série, quis muito odiar o Kreizler. Porque era frio, e arrogante, e distanciava-se das pessoas que mais lhe queriam bem. Porque ficou obcecado em encontrar o assassino e não via mais nada à frente, nem amor, nem amizade, nem felicidade. Só obsessão. Quis muito odiá-lo, a sério, mas foi-me impossível apagar aquele nervoso miudinho típico de quem está a ver a sua personagem preferida a derrotar o grande vilão. Caraças, há muito tempo que eu não via alguém como ele (e como eu) no meu ecrã.

Deixar uma Capricorniana com constantes arrepios na espinha é muito difícil. Mas "O Alienista" conseguiu. E conseguiu ainda mais - conseguiu deixar-me com perguntas e com a sensação de montanha-russa que vem exactamente antes de recebermos as respostas. Todos sabem o que isso é. Nas boas produções de cinema e televisão, há um momento de prazer puro em que sabemos que as grandes questões vão finalmente ter uma resposta. E quando a resposta chega, o nosso corpo e mente ficam mais leve.

Há uma questão que impera durante toda a série: porque é que o assassino mata estas crianças e porque é que as mata de forma tão violenta?

Chegamos ao último episódio, e o assassino é apanhado pelas três personagens principais. E Kreizler, obcecado como sempre esteve, só se preocupa em perguntar-lhe o porquê. Sentimos a montanha-russa. Vamos finalmente saber a verdade. E, do nada, a série atira-nos um acontecimento inesperado à cara e tira-nos o coração do peito. O assassino não revela os seus motivos, a série acaba e nós nunca descobrimos o porquê. Por consequência, o Kreizler também não.

Se há algo de que gosto mais do que saber a resposta a uma pergunta, é que me tirei o coração do peito e o espetem contra a parede, que é aproximadamente o que a série fez. Parece que estou a ser irónica, mas não estou. Se brincarem com os meus sentimentos na vida real, odeio-vos, mas se brincarem com os meus sentimentos no cinema ou televisão, adoro-vos. E esta série faz isso mesmo. Brinca um pouco connosco, leva-nos a achar que sabemos o porquê, que sabemos quem faz e porque faz, e, do nada, prova que estamos errados com uma destreza magnífica.

Não sou crítica de cinema e televisão (crítica amadora, talvez), por isso nem vou tentar maçar-vos com a típica conversa de cinematografia, mas a verdade é que o desenho de som está de outro mundo. Vejam a série com fones e vão constantemente sentir que estão dentro da cena com as personagens. Também gostei particularmente de ser raro haver um momento com paisagens "bonitas". A Nova Iorque que está prestes a entrar no século XX é suja e imunda - e esses adjectivos aplicam-se não só à cidade, mas também às pessoas, que são sujas física e mentalmente. Os pobres vivem em condições absolutamente horrorosas e os ricos tem uma mente decadente. E as personagens principais navegam pelo meio de ruas cobertas de animais mortos, prostituição infantil e esgotos ao ar livre, com dezenas de pessoas a viver num espaço que daria apenas para duas.

É uma série incómoda. E eu gosto disso.

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